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Classificação NOVA: Como ela mudou a forma de enxergarmos os alimentos

Por décadas, os alimentos foram analisados principalmente com base nos seus nutrientes, como calorias, proteínas, carboidratos e gorduras. Esse sistema tinha como objetivo fornecer informações sobre o valor nutricional dos alimentos, mas deixava de lado um aspecto crucial: o grau de processamento e o propósito desse processamento que esses alimentos sofrem antes de chegarem ao nosso prato (ou às nossas mãos).


Foi a partir dessa lacuna que a Classificação NOVA, desenvolvida por pesquisadores brasileiros da Universidade de São Paulo, emergiu como uma forma inovadora de entender a alimentação. Com essa nova abordagem, a ênfase mudou do conteúdo nutricional bruto dos alimentos para seu grau de processamento, revelando como a industrialização altera significativamente o impacto de um alimento na nossa saúde.


Como os alimentos eram classificados antes?

Antes da criação da classificação NOVA, os alimentos eram geralmente categorizados com base em seus macro e micronutrientes. Esses sistemas se concentravam em qualidades como o teor de gordura, carboidratos, proteínas, fibras e vitaminas. Os Guias Alimentares recomendavam o consumo de certos nutrientes em quantidades específicas, e os alimentos eram escolhidos principalmente com base na sua composição nutricional.

Essa abordagem tinha algumas limitações. Alimentos ultraprocessados poderiam ser considerados "bons" se apresentassem um perfil nutricional favorável (como baixo teor de gordura ou açúcar), enquanto alimentos minimamente processados, mas ricos em calorias, poderiam ser desencorajados. Isso ignorava o impacto do processo de fabricação nos alimentos e na saúde a longo prazo.


O que é a Classificação NOVA?

A Classificação NOVA, proposta pelo pesquisador Carlos Monteiro e sua equipe em 2009, revolucionou a forma de categorizar os alimentos ao introduzir o conceito de grau de processamento como o principal critério de classificação. A NOVA divide os alimentos em quatro grupos principais, com base no nível de processamento industrial que eles sofreram (Monteiro et al., 2011).


1. Alimentos In Natura ou Minimamente Processados

Esses alimentos são obtidos diretamente da natureza e não passaram por modificações industriais significativas. Exemplos incluem frutas, legumes, grãos e carnes frescas. Eles são consumidos em sua forma original ou após uma preparação mínima, como lavar, cortar ou cozinhar.

2. Ingredientes Culinários Processados

Aqui entram substâncias extraídas de alimentos in natura, como sal, açúcar, óleos e gorduras. Eles são usados para cozinhar ou temperar alimentos, mas não são consumidos isoladamente em grandes quantidades.

3. Alimentos Processados

São alimentos que passaram por modificações simples, como conservas, pães e queijos. Eles têm poucos ingredientes adicionais, como sal, óleo ou açúcar, mas ainda retêm boa parte das características originais do alimento in natura.

4. Alimentos Ultraprocessados

Os alimentos ultraprocessados são produtos industriais feitos a partir de combinações de ingredientes refinados e aditivos, incluindo conservantes, aromatizantes, emulsificantes e corantes. Exemplos comuns incluem biscoitos recheados, refrigerantes, macarrão instantâneo, sorvetes industrializados e cereais matinais adoçados. O processamento intenso transforma os ingredientes originais de tal maneira que o produto final dificilmente se parece com o alimento in natura.


A Classificação NOVA nos fez repensar

Coordenador emérito do NUPENS/USP

A introdução da Classificação NOVA representou uma mudança de paradigma ao focar não apenas no valor nutricional dos alimentos, mas também no seu impacto à saúde com base no grau de processamento. Essa abordagem trouxe à tona uma verdade incômoda: a maioria dos alimentos ultraprocessados, independentemente de seu perfil de nutrientes, está associada a um aumento significativo no risco de obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, e até problemas cardíacos (Monteiro et al., 2018).


Antes da NOVA, alimentos ultraprocessados que eram comercializados como "low-fat" ou "light" poderiam ser promovidos como escolhas saudáveis simplesmente por atender a certos critérios nutricionais. No entanto, a NOVA expôs como esses alimentos, cheios de aditivos e pouco nutritivos, são prejudiciais à saúde a longo prazo, mesmo que tenham uma baixa quantidade de calorias ou gordura.


Essa mudança permitiu que profissionais de saúde, incluindo nutricionistas, passassem a enfatizar o consumo de alimentos minimamente processados (pelo menos esse é o objetivo) e a reduzir comportamentos alimentares disfuncionais associados aos ultraprocessados, trazendo uma perspectiva mais holística e realista sobre a alimentação.


Por que o processamento importa tanto?

O grau de processamento de um alimento afeta diretamente sua densidade energética, o teor de nutrientes essenciais e a presença de compostos químicos adicionados que podem prejudicar a saúde. Por exemplo:

  • Alimentos minimamente processados mantêm suas fibras, vitaminas e minerais quase intactos, enquanto alimentos ultraprocessados perdem grande parte desses nutrientes durante a produção industrial.

  • Ultraprocessados geralmente contêm grandes quantidades de açúcares adicionados, óleos refinados, sal e aditivos, que tornam o produto final mais palatável e com potencial adictivo, mas de baixo valor nutricional. Eles também são projetados para promover o consumo excessivo (já falamos sobre alimentos "vício" em comida aqui).


Esse foco na qualidade do processamento, e não apenas na quantidade de nutrientes, trouxe uma visão mais completa e prática sobre como fazer escolhas alimentares mais saudáveis.


Como a Classificação NOVA impactou as recomendações nutricionais?

A Classificação NOVA influenciou guias alimentares e políticas públicas ao redor do mundo. O Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, por exemplo, utiliza a classificação NOVA como base para suas recomendações, enfatizando o consumo de alimentos in natura e minimamente processados, enquanto desencoraja fortemente o consumo de ultraprocessados (Brasil, 2014).


Essa abordagem inovadora também ajudou a destacar a influência da indústria alimentícia e suas práticas de marketing, que muitas vezes promovem alimentos ultraprocessados como convenientes e saudáveis, mesmo quando não o são.


Conclusão

A Classificação NOVA trouxe uma revolução ao nosso entendimento sobre os alimentos e seus impactos na saúde. Ao focar no grau de processamento, em vez de apenas olhar para os nutrientes isoladamente, essa abordagem permite que vejamos o alimento como um todo e compreendamos melhor as consequências do consumo excessivo de produtos ultraprocessados. Para uma vida saudável, o caminho é claro: priorizar alimentos in natura ou minimamente processados e evitar os ultraprocessados sempre que possível.


✍🏼Milena Hernandes - Nutricionista

📌CRN-3 63747


Referências

  1. Monteiro, C. A., Cannon, G., Levy, R., Moubarac, J.-C., Jaime, P., Martins, A. P., & Canella, D. (2011). The food system. Ultra-processing. The big issue for nutrition, disease, health, well-being. World Nutrition, 2(9), 527-569.

  2. Monteiro, C. A., Cannon, G., Moubarac, J.-C., Levy, R. B., Louzada, M. L., & Jaime, P. C. (2018). The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultraprocessing. Public Health Nutrition, 21(1), 5-17.

  3. Brasil. (2014). Guia alimentar para a população brasileira. Ministério da Saúde.

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